- queres jantar fora. comigo? -parece-me bem. -parece-te bem, como assim...? -parece-me boa ideia. -ah! sim, é boa ideia irmos jantar fora, nós os dois. -sim, e à mesa não se fala... -e não se fala com a boca cheia.-nem mais!-"nem mais", como assim?-"nem mais"! nada!- nem mais, nada. ou nem mais nada?!?- nem mais; ponto de exclamção; nada ponto final. assim.-ah!! é que "nem mais! nada." tem um significado e "nem mais nada" tem outro diametralmente oposto. - não percebeste a ênfase? - percebi, mas queria a confirmação do predicado.. - mas eu não como de boca cheia. -e eu também não sou faladora. lamento se tomaste como insulto o "boca cheia", não foi minha intenção... -e novidades? -quando saí do serviço passei pela imaginarium e comprei um boneco muito cómico para o Santiago. nem imaginas o entuasiasmo dele ao recebê-lo!! rasgou o embrulho como se não houvesse amanhã e assim que viu o bonequinho tratou de desmembrá-lo todo... foi um espectáculo surreal , observado à distância... nem eu nem a minha prima nos atrevemos a intervir naquela cena magnífica. é extraordinária a forma como as crianças apreendem determinado objecto, a forma como se apropriam das coisas... têm a vista na pontinha dos dedos e esse é o único ponto de partida que conhecem para o conhecimento. sabes, enquanto o Santiago ia destruindo o boneco, começando primeiro por decapitá-lo, arrancou a cabeça brusca e avidamente, depois tirou os braços, depois as pernas, depois ia espreitando para dentro do boneco através dos orifícios... e depois apertava o tronco, comprimindo-os com os dedos... seria para conhecer a sua matéria e conteúdo...? enquanto toda esta destruição, instintivamente infantil, selvagem, e verdadeira, e tão rousseauniana, decorria, perguntei ao meu querido o que estava ele a fazer: sabes o que me respondeu? que era para "vêi melhoí", disse ele surpreendemente felicíssimo, com um olhar estóico. disse que era para ver melhor o boneco, percebes?. é estranho, não é... quando somos novinhos, o pressuposto, ou o lema essencial para se obter o conhecimento de determinado objecto consiste no despir, desmembrar, destruir para conhecer, ou "para vêi o que está lá dento", como disse o Santiago. espreitar para o interior. talvez seja por isso que o Santiago leva os seus dedinhos gorduchinhos para dentro das minhas narinas, ouvidos, boca, e empurra-me os olhos para dentro, quando está no meu colo, diante do meu rosto, como que me examinando, é verdade..., e ocorre situação idêntica como quando lhe oferecmos brinquedos. ... apreende a realidade através do conhecimento pleno adquirido através da apropriação das formas, e do respectivo funcionamento. das "coisas", percebes?. ele tem razão, é aí, nessa alegoria mais imediata, e empírica, do interior, que reside a essência das coisas, certo? -confuso, também? presumo que estejas a confundir e a complicar determinados conceitos: da essência matérica, e essência espiritual, não? - não. eu sei distinguir, mas as crianças não. a essência é o tal "ver dentro", e "adentro", e "por dentro", na perspectiva do Santiago, é a eterna procura e descoberta das formas, por isso é que ele adora estar sujeito, e ou ao dispor, das solicitações e estímulos visuais... - ah.... -ao contrário do procedimento cognoscível ou gnosiológico a que recorremos quando atingimos a maturação, ou maturidade...é precisamente o oposto, parece-me: dissimulamos e escamoteamos o interesse, ou a vontrade de desmontar determinado objecto de que gostamos, preterimos então, e protelamos o tal "ver por dentro", em virtude do medo terrível que temos de nos desiludirmos com a essência do objecto, pelo qual nutrimos esse interesse. curioso, é precisamente o inverso do que se passa quando somo crianças... é precisamente o oposto: nas crianças o processo de desconstrução constitui a condição si ne qua non para alcançar a essência, o âmago, o todo, de todas as partes que constituem o objecto que tanto estimam, ao passo que para os adultos, o conhcer, é escamotear o verdadeiro conhecimento, por exemplo: apensando atributos e qualidades, e outros objectos inclusivamente, para construirem o objecto que estimam, e atingirem uma essência, não verdadeira, mas a desejada, talvez, correspondente ao imaginário... - é a negação da própria identidade real em detrimento de uma supostamente desejada, iludidade e deslumbrada, adjectiva..., isto é , criam uma imagética artificosa de um suposto real, [que confuso!!], por exemplo: oferecemos perfumes, gravatas, lenços, bonés, chapéus, cachecóis, óculos, e afins, a alguém no sentido de, ou por forma, a caricaturarmos e encobrirmos a verdade essencial que queríamos que fosse para nós. o objecto deixa de ser objecto em si, passando a ser um receptáculo de atributos qualificativos, adjectivos e berloques, um somatório de adereços e atributos desejados e oferecidos por nós... de acordo com a imagem projectada por nós... - jamais, alguém, poderá ser aquilo que nós queremos que fosse. -não tenho uma opinião assim tão ortodoxa. existem excepções. por vezes somos surpreendidos pela positiva. já me aconteceu. todavia, refiria-me, eu, mais concretamente às mulheres... costumo chamar-lhe de processo Keniano, alusivo ao Ken e à Barbie da Mattel. o Ken existe para ser adornado por acessórios, berloques e ramos de flores para serem oferecidas à Barbie, percebes? hás-de reparar nas publicidades: o Ken não existe para ser desmembrado, nem conhecido por dentro, o tronco nem é oco, é maciço. não quero, de todo, cair nas desgraças do espartilho e ditadura feministas, mas as meninas são desde muito novas, e de uma forma inconsciente, aprendizes da arte do "deslumbramento egotista", à boa laia da metáfora do curso de corte e costura imposto pelo Estado Novo, sob uma forma dissimulada de iludir uma essência: o costurar de uma aparência, em nome do medo da constatação, confrontação com a realidade. do "interior". -chega! -desculpa, mas lembrei-me de tudo isto, hoje, enquanto o Santiago, desconstruía o bonequinho barrigudo... -em termos artísticos, resumia tudo isto em três tempos: a decomposição do objecto... -sim, mas eu não estava a fazer qualquer asserção crítica ... em termos artísticos, nem ao cubismo, nem nada, nada disso... era mais uma especulação ontológica ou gnoseológica , sei lá, no que respeita às relações humanas, desculpa mas não sei explicar-me... -mudamos de assunto? fala-me de ti. -de mim? -não, era só para mudarmos de assunto. o restaurante de que falas é o "Aqua Doce", na Rodrigues Lobo, não é? -é. - "é", é só isso que me tens a dizer: "é"?!?. - sim, "é". -está bem. - e por que é que tenho de ser sempre eu a dinamizar a conversa e a tomar a iniciativa do diálogo? - fala. -desliga. desliga o telefone tu primeiro. -desliga tu. -desligo eu? desliga tu. -eu não, não gosto de dizer "adeus", vá despacha-te e desliga, lá. -então, ligo-te amanhã para combinarmos melhor. desliga. -ok. -um... -dois... -três...!... estou, ainda estás aí ?estou? ... ... ... olha, desligou o parvo! parvo! é mesmo estúpido o parvo! cabrão!
[texto para ser lido, relido, corrigido, rectificado, e eventualmente, apagado.]
[texto para ser lido, relido, corrigido, rectificado, e eventualmente, apagado.]
4 comentários:
Estou a ver que o Santiago é um terrorista!!
?!?!
o Santiago não é um terrorista. é um menino doce, maravilhoso e meiguinho, é um encanto...será que fiz passar essa mensagem de "terrorista"?
o que queria transmitir com esta parvoíce era apenas e tão somente isto: as crianças desconstroem um objecto para conhecer a tal verdade com os olhos, já os adultos, por sua vez, "reconstroem"/recriam/acrescentando ao objecto elementos artificiosos para (des)conhecerem uma (in ou não)verdade, cega, para iludir os olhos da razão, toldando , deste modo, a verdadeira essência.
repito: O SANTIAGO NÃO É TERRORISTA!
:p
uma correcção-extra: eu não pretendo transmitir nada. ;)
"isto " é apenas um exercício autopsicográfico-ultra-aparvalhado-e-
inconsequente-e-inconsciente, portanto... não me leves a sério.
e sim, o Santiago também tem os seus dias menos pacíficos.
***inhos meus.
Já não está aqui quem falou!
Postar um comentário