Carta de Jean Cocteau a Jean-Pierre Rosnay.
[outras tantas aqui].
Aproveitei-me, confesso, de certos acidentes
Do mistério e de erros de cálculos celestes.
Aí está toda a minha poesia: eu decalco
O invisível (o que para vós é invisível).
Ao crime disfarçado em trajo desumano,
«Mãos ao ar!», gritei eu, «É inútil reagir»;
A encantos informes tratei de dar contorno;
Das astúcias da morte a traição informou-me;
Com tinta azul fiz aparecer, de súbito,
Fantasmas transformados em árvores azuis.
Será louco dizer que é simples ou sem perigo
Empresa semelhante. Incomodar os anjos!
Descobrir o acaso em flagrante delito
De batota, e as estátuas a tentarem andar!
Por cima de cidades que pareciam desertas,
Nos mirantes aonde somente chega a voz
Dos galos, das escolas, buzinas de automóveis
(Os únicos ruídos que das cidades sobem),
Surpreendi, provindos dos subúrbios do céu,
Assombrosos rumores, gritos de outra Marselha.
«Par lui-même", VV 1-20, Opéra», 1927;
in Vozes da Poesia Europeia – III. Trad. de David Mourão-Ferreira.
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