...e esgravata.

terça-feira, 2 de junho de 2009

«tudo bem, sim»...desde que não me troque por uma incineradora...



















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Tenho uma colega de trabalho, que também é amiga, a Suse, que representa o ideal feminino no sentido mais conservador do termo, cujo irrepreensível código de conduta é de fazer concorrência a qualquer benzina, lixívia, desinfectante de farmácia, ou a uma qualquer sala de um bloco operatório. absolutamente impoluto. imaculado. Não me refiro apenas aos valores morais que lhe são intrínsecos e que põe em prática, no plano religioso: menina dedicada, devota, canta no coro, toca piano, é catequista, tem um tio e dois primos que são padres e um cunhado que já foi acólito, mas também no que se refere à prática de costumes mais seculares, mais profanos. profanos, eu disse profanos?! perdão, suse... - palavra absolutamente interdita no seu vocabulário, não vá o diabo tecê-las e acordar o .. demo! Absolutamente zen, cândida e casta: não fuma, não bebe, não come junk-food, não curva a coluna, não se senta de pernas abertas, não arrota a altos berros, não se stressa, não toma banho em água a ferver, não diz palavrões, não odeia o próximo, não sente frio, não tem bolhas nos pés, não tosse alarvemente, não tem má circulação, não estala os dedos, não faz "xixi a correr"(imagem mental visualmente estranha, não?, enfim, esqueçam. retirem tal cena pornográfica do vosso imaginário. adiante), não critica, não cospe, não sabe o que é cholé, não deixa crescer as unhas, não limpa os ouvidos com o cotonette, não dorme de boca aberta, não se baba, não se saliva quando vê uma alheira de mirandela a sorrir e piscar os olhos, não sabe o que é uma quiche de cogumelos e queijo - quanta heresia, quanto pecado, deus nosso senhor te perdoe amiga!! - não grita, não se enerva, não não se irrita.... não se irrita?!?! esperem lá... irrita sim senhor: a única razão pela qual já se viu seriamente irritada, conta, deve-se ao vício mundano de que padecia o seu ex-namorado. então, suse, conta, conta! - fumava!!! - como?!?! o quê?!? hum...explica-te...? - era fraco. uma pessoa tem de vencer o vício. não pode ser assim tão fraco ao ponto de não conseguir vencer o vício. também, ele deixou logo de fumar no dia em que aceitei namorar com ele, era o que faltava.olha! - então, e ele deixou mesmo de fumar? -deixou, pois! - oh, deixou não porque lhe pediste, mas porque não gostava de fumar. eu gosto, e fumo porque gosto de fumar, não por ser viciada - contra-atacava, deste modo, assim, brilhantemente, como que uma entrada a pés juntos à zinedine zidane, a minha avant-guarda. então suse, coitado, mas isso é muito conservador, pouco tolerante, muito bota de elástico, tem de haver cedências sim, mas neste sentido... hum... não sei... quando te apaixonaste ele já fumava... não é assim...? oh então e tu, o que é que farias? eu,... (suspiro) desde que tenha três dedos, quatro dedos, cinco desdos, seis, sete, oito, nove, dez dedos, uma mão, duas mãos, enfim, e um par de lábios inteiramente disponíveis (só) para mim, tudo bem...


my sweet 'cotton club' mood: "I'm your [wo]man"_Leonard Cohen_---_¨¨¨..¨¨--

p.s.: a suse cumpre religiosamente as suas idas ao ginásio, faz lift, pilates, musculação, massagens, demora uma hora a comer, mastiga bem e vagarosamente os alimentos, bebe água entre as refeições, come alimentos macrobióticos, quando come esparguete à bolonhesa separa delicada e meticulosamente os grãozinhos de carninha moída dos novelos de "esparguete", abençoada paciência de job! só admite e concebe linhas rectas desenhadas com a firmeza regular à boa moda do classicismo vitruviano, cultiva o pensamento cartesiano, nutre de um mistério esfíngico, usa e abusa da sua pose firme e hirta como uma barra de ferro,... uma doçura saborosamente irritante, mas engraçada, apenas e tão somente, porque se trata da suse... absolutamente genuína e única. ah! é dadora de sangue e tem a paciência de passar óleo de amêndoas doces pelo corpo, todas as manhãs, sem excepção. e agora, penso comigo e para com deus - ai lara, lara, és mesmo broeira...


ai Suse, Suse... adoro-te, apesar dos pesares :)
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10 comentários:

Dali disse...

Não consegui explicar à minha mãe porque me estava a rir virada para o pc...

Só quem conhece a nossa caríssima Suse poderá compreender tal discurso...

Ai, ai, soube bem rir-me assim!

flor-de-laranja disse...

a suse, no seu melhor. única. "igual a si própria", seja lá o que isso for.

eu, a lara, no meu pior, em profunda crise existencial, ao ver tamanha perfeição, não conheço ninguém que dê tanto sentido à vida, apesar de viver lá no mundo dela, indecifrável...

adorável a nossa suse, simplesmente adorável.

[adora estou num dilema: mostar ou não mostrar-lhe isto, eis a questão...:( ou :)... ui...]

da sua, broeira enchantée.

Fredupe disse...

Então o facto de a Palavra Deus vir escrita com minúscula é alguma provocação?

flor-de-laranja disse...

com "deus", ou com os "meus botões", é igual.

ambos escutam-me e aturam-me. são meus amigos.

flor-de-laranja disse...

muito longe de ser uma provocação!

:P

flor-de-laranja disse...

lapsos de que lamento: "agora"; "não lhe mostar"...

Anônimo disse...

Olá Lara. Sugestiva fotografia :)

Tinhas manifestado aí atrás a vontade de ter à mão um jovem (grande) poeta "ligeiramente" perturbado ; cá vai **

O Barco Bêbedo


Ao descer Rios impassíveis
Cessei de me sentir me levado pelos sirgueiros,
Hiantes pele vermelha tinham nos tomado por alvos,
E pregado nus nos postes coloridos.

Estava desafectado de todas as equipagens,
Estivador de grão flamengo, algodão inglês.
E quando com os meus calores terminaram as vociferações
Os rios deixaram-me descer onde eu queria.

Nos marulhares furiosos das marés ;
Eu , o outro inverno mais surdo que o cérebro das crianças,
Corri ! E as Penínsulas desamarradas
Nunca sofreram tal triunfante caos.

A tempestade abençoou os meus despertares marítimos
E mais ligeiro que um ramo dancei sobre as vagas
A que chamamos as eternas alcoviteiras das vítimas ;
Dez noites ; sem falta do olho néscio dos faróis !

Mais doce que às crianças a carne das maçãs azedas,
Água verde entra o meu casco de pinho
E manchas dos vinhos azuis e vomitados
Libam-me ; dispersando leme e arpão.

E desde então que tenho-me banhado no Poema
Do mar, infuso dos astros e lactescente
A devorar azuis verde onde ; de lívida fronte
arrebatado, um tomado pensador por vezes desce ;

A tingir as abruptas azulidades, delírios
E ritmos lentos sob as coruscações do dia,
Mais forte que o álcool, mais vastos que as nossas liras,
Fermentam os amargos rubores do amor !

Eu sei os céus rasgando-se em clarões, os tufões,
as ressacas, as correntes : eu sei o entardecer,
A Alva exaltada assim como um povo das pombas ;
Eu vi por vezes o que o homem julgou ver !

Vi o sol baixo taxado de horrores místicos,
A iluminar longos filamentos violetas,
Semelhantes a actores de dramas muito antigos,
Que embalam, nas vagas longínquas, os seus frémitos de postigo !

Sonhei a noite verde de neves desvanecidas
O beijar a subir aos olhos do mar com lentidão,
A circulação das seivas inauditas,
O despertar amarelo e azul dos fósforos cantores !

Segui por meses inteiros semelhante às vacarias
Histéricas ondas ao assalto dos recifes
Sem sonhar que os pés luminosos das marias
Pudessem forçar o animal aos Oceanos ofegantes !

Feri, sabei, incríveis Floridas
Misturando às flores olhos de panteras com pele
De homens ! Arco íris estendidos como rédeas
Sob o horizonte dos mares a glaucos tropéis.!

Vi fermentar os pântanos imensos, armadilhas
Onde apodrece nos juncos todo um Leviathan !
Derrocadas de água no meio das bonanças
E longínquos rumo aos abismos a cascatear !

Glaciares, sóis de prata, vagas nacradas, céus de brasas !
Odioso encalhar ao fundo dos golfos castanhos
Onde as serpentes gigantes devoradas pelos percevejos
Caem das árvores torcidas em negros perfumes !

Quisera mostrar às crianças estes dourados
Da vaga azul, estes peixes de ouro, estes peixes cantantes.
- Espumas de flores berçaram-me o passar
E os inefáveis ventos alaram-me os instantes.

Por vezes, mártir extenuado dos pólos e das zonas
O mar donde o soluço fazia o meu baloiçar doce
Subia para mim as suas flores de sombra com ventosas amarelas
E eu ficava, assim, como mulher ajoelhada ...

Quase ilha a sacudir borda fora os combates
E a merda dos pássaros intriguistas de louros olhos.
Vogava, até que através dos meus laços frágeis
Afogados descessem para dormir às avessas !

Ora eu, barco perdido sob os cabelos das hansas,
Lançado pelo furacão no éter sem ave,
Eu, de quem os couraçados e veleiros hanseáticos
Não teriam repescado a ébria carcassa d’água.

Livre, fumegante, orlado das brumas violetas,
Eu que troava o céu flamejante como um muro
Que traz manjar delicado aos bons poetas,
Líquenes de sol e ranho de azul celeste.

Que corria, manchado de lúnulas eléctricas,
Prancha louca, escoltada por hipocampos negros,
Quando os julhos faziam soçobrar a golpes de bastão
Os céus ultramarinos de funis ardentes ;

Eu que tremia a sentir gemer por cinquenta léguas
O cio dos Behemotes e os Maelströms espessos,
Tecelão eterno das imobilidades azuis,
Eu lamento a Europa dos antigos parapeitos !

Vi os arquipélagos siderais ! Ilhas
Cujos céus delirantes estão abertos ao viajante vago ;
- Será nestas noites sem fundo que dormes e te exilas,
milhões de pássaros de ouro, ó futuro Vigor ?

Já chorei demais certamente ! As Alvas são pungentes,
Toda a lua é atroz e todo o sol amargo:
O amor acre envolveu-me de torpores enebriantes.
Que o meu casco rebente ! Que eu vá ao mar !

Se desejo uma água de Europa é o charco
Negro e frio onde rumo ao brumoso crepúsculo
Uma criança encolhida e cheia de tristeza, larga
Um barco frágil como uma borboleta de maio.

Não posso mais, banhado dos vossos langores, ó ondas,
Retirar o seu rasto aos estivadores de algodão,
Nem atravessar o orgulho das bandeiras e das chamas,
Nem nadar sob os olhos horríveis das barcas dos prisioneiros.


Arthur Rimbaud ; Le Bateau Ivre.

flor-de-laranja disse...

le bateau ivre, le bateau ivre...

nuno..., se soubesses o quanto gosto de rimbaud...


**teus, com (GRANDE) gratidão.

[não te escapa (mesmo!)nada ;)]

nuno. disse...

Olá Lara.

O "revisitar" a tradução desse "Barco Bêbedo" e da perplexidade que tive aquando da tradução do mesmo lembram me a "indignação" que senti na altura em relação a certos "tradutores". Creio decididamente que o melhor será mesmo ler o Rimbaud no original.

flor-de-laranja disse...

ler o original é sempre melhor, mas gostei muito deste teu primeiro...

merci*

jaz.mim_tu... aqui, deixara de o ser.

à espreita de fa|c|to & gravata.

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