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"Der Misanthrop", 2002
Rui Chafes.
Rui Chafes - ... Marcel Duchamp esse grande sacana!
a-de-braços-cruzados - Marcel Duchamp... sacana?!?!...
Rui Chafes - Tão sacana quanto John Cage!
a-de-braços-cruzados- não posso crer?!? Então porquê?! Aprecio ambos: foram provocadores, quebraram os cânones estabelecidos, subverteram os princípios pretensamente absolutos da arte... atribuíram novos significados, aproximaram a arte à vida e a vida à arte. Abriram caminhos para novas derivações e concepções artísticas, não compreendo...a sério...
Rui Chafes - desviaram a arte para um caminho estreito, empurrando-a para um beco sem saída.
a-de-braços-cruzados- hum... Duchamp fez a acepção da obra de arte como a negação da própria obra de arte, é isso? Cage fez a acepção da música como a negação da própria música...
Rui Chafes- Cage cria música, ou reproduz o som de uma porta que se abre? é música ou o som.
a-de-braços-cruzados- É o som, ele cria e valoriza o som, a melodia e o silêncio, a urgência do silêncio na sociedade contemporânea e não o ruído...talvez....
Rui Chafes - mas não é música: é o som da porta. de uma porta.
a-de-braços-cruzados- então, está a dizer-me que importa devolver o 'sentimento aurática' e o 'sentido transcendente' à arte? Reivindica a necessidade de sair do minimalismo ou do pós-minimalismo 'imposto'?
Rui Chafes - da urgência de libertar a arte pós-duchampiana instituída... a qual ainda subsiste...inexplicavelmente
a-de-braços-cruzados- persistência anacrónica...
Rui Chafes - da necessidade de libertar a arte da vacuidade deste mundo tecnocrata, cibernético, facilitista. da arte facilitista e do facilismo na arte e das facilidades promovidas no mundo moderno...
a-de-braços-cruzados- ...no sentido de restituir a grandiosidade da criação, enquanto 'trabalho físico e árduo', como diz, da concepção artística, do acto de criar como nos pré-rafaelitas e simbolistas...? Devolver o sentido superior, do sagrado, metafísico... à semelhança da arte gótica com a qual identifica os seus 'trabalhos'?
Rui Chafes - é angustiante ver uma beata de cigarro exposta enquanto objecto artístico... actualmente, deixou de haver o tal «êxtase» contemplativo. existem viveiros especialistas de uma arte e os museus um laboratório de analistas que se especializaram... banalizaram a arte. qualquer coisa serve e 'é'.
a-de-braços-cruzados-- restituir o sentido supremo da arte, elevação superior e imaterial do objecto, a arte que tenha como destino as nuvens, o destino eleito de Goethe...
Rui Chafes - sim, devolver o lado mágico. sentir o milagre. como nos ritos e mitos arcaicos para que se abra um lugar para a possibilidade da própria recriação subjectiva e pessoal do objecto. Tal como os nossos filhos, a obra de arte, é mais do que matéria, células, pele, madeira ou ferro, por exemplo... - mais que uma justificação biológica - é o milagre da dádiva. Também os filhos que concebemos não são nossos, são uma seta. As minhas obras são qualquer coisa que concebi e partem para o infinito que desconheço, para o desconhecido, para algum sítio....
a-de-braços-cruzados - é o sentido da vida. e para a vida. para dar sentido à vida. cria-se. cria. Segundo André Malraux, que concebeu a ideia enquanto conceito e método de aproximação às realidades outras, o "Deus" é o "incognoscível e, antes de mais, a luta contra a Morte". A toda a imagem, com efeito, preside o desejo de apropriar um lugar-outro, ou um não-lugar, e por essa via, de lhe proporcionar a eternidade, fixando nela uma realidade ontológica até aí não existente: porque desprovida de imagem. Ai que já me perdi... desculpe.
Rui Chafes - sim, eu trabalho sobre o invisível. Parto do real matérico,à semelhança de Giacometti, e procuro a metáfora da transcendência. Superar-me. Prolongar-me na dúvida e para a dúvida.
a-de-braços-cruzados- por isso trabalha arduamente em ferro e aço, como Giacometti e,...
Rui Chafes - desmaterializo as peças, vou desmaterializando...
a-de-braços-cruzados- são transparências. funde a arte com o espaço natural envolvente que a acolhe, permitindo-lhe assim que toque no céu. vemos a natureza e apercebemo-nos do tempo. espaço-tempo-e-matéria. o belo em comunhão... Giacometti dizia que os "seus homens" são fios de aço delicados que unem o céu à terra...
Rui Chafes - respeitar a vida é ter a noção do tempo e envelhecer com ele. aceitando-o. Olhar para o céu e pensar no que está para além dele, e deixar-se ser emocionalmente arrebatado... tal como no sentimento estético provocado pela arte. é exactamente a mesma dúvida. a dúvida desse sentir. do lugar desse sentir.
a-de-braços-cruzados- o Belo. isso é o belo. é assim que o defino. o tal je ne sais quoi que está para além do objecto visível. uma justificação. Procurar acendalhas para o espírito, como dizia Ruskin, partindo da experiência sensível da matéria para a transcendência que está para além do objecto ou da imagem: como na música... através da qual acedemos a viagens imaginárias, ou como no cinema que tem a faculdade mais imediata de nos projectar para um lugar-outro. acontece-me sempre 'isso' , 'sempre' que assisto aos filmes de João César Monteiro- specular- projecta-me, lançando-me para um lugar estranho situado entre a sordidez e a epifania. Será isso? Essa liberdade onírica. Arrebatadora? E simultaneamente a eterna procura e justificação de nós próprios... um lugar de reencontro connosco próprios...
Rui Chafes- uma viagem irracional, sim, é isso. Trabalho sobre a intuição, com a intuição. com uma grande carga indomável. não domesticada. Há sempre o impulso inicial mas nunca sei o que vai acontecer.
a-de-braços-cruzados- Artista é aquele nasce com a pulsão para a dúvida e para a inquietação... é assim que defino e identifico um artista. e a ARTE.
Rui Chafes- O artista tem de se trair a si mesmo e cair no abismo para descobrir o seu próprio caminho. O artista tem de ser inconsequente. A obra tem de ser incompleta para ser eterna.
a-de-braços-cruzados- a arte enquanto eterno . a arte é-nos a eternidade emprestada a curto- prazo pelo preço de um sopro de fé, um "sopro dolorosamente suave".
[*] "A painfully soft blow", 2001 - uma das esculturas de Rui Chafes presentes no Jardim Botânico da Universidade de Coimbra.
Rui Chafes.
Rui Chafes - ... Marcel Duchamp esse grande sacana!
a-de-braços-cruzados - Marcel Duchamp... sacana?!?!...
Rui Chafes - Tão sacana quanto John Cage!
a-de-braços-cruzados- não posso crer?!? Então porquê?! Aprecio ambos: foram provocadores, quebraram os cânones estabelecidos, subverteram os princípios pretensamente absolutos da arte... atribuíram novos significados, aproximaram a arte à vida e a vida à arte. Abriram caminhos para novas derivações e concepções artísticas, não compreendo...a sério...
Rui Chafes - desviaram a arte para um caminho estreito, empurrando-a para um beco sem saída.
a-de-braços-cruzados- hum... Duchamp fez a acepção da obra de arte como a negação da própria obra de arte, é isso? Cage fez a acepção da música como a negação da própria música...
Rui Chafes- Cage cria música, ou reproduz o som de uma porta que se abre? é música ou o som.
a-de-braços-cruzados- É o som, ele cria e valoriza o som, a melodia e o silêncio, a urgência do silêncio na sociedade contemporânea e não o ruído...talvez....
Rui Chafes - mas não é música: é o som da porta. de uma porta.
a-de-braços-cruzados- então, está a dizer-me que importa devolver o 'sentimento aurática' e o 'sentido transcendente' à arte? Reivindica a necessidade de sair do minimalismo ou do pós-minimalismo 'imposto'?
Rui Chafes - da urgência de libertar a arte pós-duchampiana instituída... a qual ainda subsiste...inexplicavelmente
a-de-braços-cruzados- persistência anacrónica...
Rui Chafes - da necessidade de libertar a arte da vacuidade deste mundo tecnocrata, cibernético, facilitista. da arte facilitista e do facilismo na arte e das facilidades promovidas no mundo moderno...
a-de-braços-cruzados- ...no sentido de restituir a grandiosidade da criação, enquanto 'trabalho físico e árduo', como diz, da concepção artística, do acto de criar como nos pré-rafaelitas e simbolistas...? Devolver o sentido superior, do sagrado, metafísico... à semelhança da arte gótica com a qual identifica os seus 'trabalhos'?
Rui Chafes - é angustiante ver uma beata de cigarro exposta enquanto objecto artístico... actualmente, deixou de haver o tal «êxtase» contemplativo. existem viveiros especialistas de uma arte e os museus um laboratório de analistas que se especializaram... banalizaram a arte. qualquer coisa serve e 'é'.
a-de-braços-cruzados-- restituir o sentido supremo da arte, elevação superior e imaterial do objecto, a arte que tenha como destino as nuvens, o destino eleito de Goethe...
Rui Chafes - sim, devolver o lado mágico. sentir o milagre. como nos ritos e mitos arcaicos para que se abra um lugar para a possibilidade da própria recriação subjectiva e pessoal do objecto. Tal como os nossos filhos, a obra de arte, é mais do que matéria, células, pele, madeira ou ferro, por exemplo... - mais que uma justificação biológica - é o milagre da dádiva. Também os filhos que concebemos não são nossos, são uma seta. As minhas obras são qualquer coisa que concebi e partem para o infinito que desconheço, para o desconhecido, para algum sítio....
a-de-braços-cruzados - é o sentido da vida. e para a vida. para dar sentido à vida. cria-se. cria. Segundo André Malraux, que concebeu a ideia enquanto conceito e método de aproximação às realidades outras, o "Deus" é o "incognoscível e, antes de mais, a luta contra a Morte". A toda a imagem, com efeito, preside o desejo de apropriar um lugar-outro, ou um não-lugar, e por essa via, de lhe proporcionar a eternidade, fixando nela uma realidade ontológica até aí não existente: porque desprovida de imagem. Ai que já me perdi... desculpe.
Rui Chafes - sim, eu trabalho sobre o invisível. Parto do real matérico,à semelhança de Giacometti, e procuro a metáfora da transcendência. Superar-me. Prolongar-me na dúvida e para a dúvida.
a-de-braços-cruzados- por isso trabalha arduamente em ferro e aço, como Giacometti e,...
Rui Chafes - desmaterializo as peças, vou desmaterializando...
a-de-braços-cruzados- são transparências. funde a arte com o espaço natural envolvente que a acolhe, permitindo-lhe assim que toque no céu. vemos a natureza e apercebemo-nos do tempo. espaço-tempo-e-matéria. o belo em comunhão... Giacometti dizia que os "seus homens" são fios de aço delicados que unem o céu à terra...
Rui Chafes - respeitar a vida é ter a noção do tempo e envelhecer com ele. aceitando-o. Olhar para o céu e pensar no que está para além dele, e deixar-se ser emocionalmente arrebatado... tal como no sentimento estético provocado pela arte. é exactamente a mesma dúvida. a dúvida desse sentir. do lugar desse sentir.
a-de-braços-cruzados- o Belo. isso é o belo. é assim que o defino. o tal je ne sais quoi que está para além do objecto visível. uma justificação. Procurar acendalhas para o espírito, como dizia Ruskin, partindo da experiência sensível da matéria para a transcendência que está para além do objecto ou da imagem: como na música... através da qual acedemos a viagens imaginárias, ou como no cinema que tem a faculdade mais imediata de nos projectar para um lugar-outro. acontece-me sempre 'isso' , 'sempre' que assisto aos filmes de João César Monteiro- specular- projecta-me, lançando-me para um lugar estranho situado entre a sordidez e a epifania. Será isso? Essa liberdade onírica. Arrebatadora? E simultaneamente a eterna procura e justificação de nós próprios... um lugar de reencontro connosco próprios...
Rui Chafes- uma viagem irracional, sim, é isso. Trabalho sobre a intuição, com a intuição. com uma grande carga indomável. não domesticada. Há sempre o impulso inicial mas nunca sei o que vai acontecer.
a-de-braços-cruzados- Artista é aquele nasce com a pulsão para a dúvida e para a inquietação... é assim que defino e identifico um artista. e a ARTE.
Rui Chafes- O artista tem de se trair a si mesmo e cair no abismo para descobrir o seu próprio caminho. O artista tem de ser inconsequente. A obra tem de ser incompleta para ser eterna.
a-de-braços-cruzados- a arte enquanto eterno . a arte é-nos a eternidade emprestada a curto- prazo pelo preço de um sopro de fé, um "sopro dolorosamente suave".
[*] "A painfully soft blow", 2001 - uma das esculturas de Rui Chafes presentes no Jardim Botânico da Universidade de Coimbra.
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