...e esgravata.

domingo, 21 de março de 2010

hoje.



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"Slow Chair", de Ronan & Erwan Bouroullec.
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Descanso apostólico dominical.
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cumplicidades.

«Heidegger deixou-a acreditar que seria capaz de encontrar a felicidade com outro homem enquanto ainda o amava a ele. Aos vinte e dois anos, Arendt não estava à altura da «raposa», como mais tarde o apodou. Ele pedia-lhe fotografias para poder lembrar-se dos tempos em que Hannah se sentava nas salas de aulas, como se a partida dela tivesse tido poucas ou nenhumas consequências. As estrofes líricas quase kitsch, os versos vibrantes de paixão, devem tê-la deixado incerta e atenta ao desejo dele. A linguagem de Heidegger espelha a mudança que sofreu quando a razão deu lugar à paixão. As suas primeiras cartas eram escritas em prosa sofisticada, mensurada, bem urdida. As cartas posteriores dão a ver uma sentimentalidade convencional ou mesmo um gosto vulgar, exibem a linguagem desinibida da emoção desenfreada.
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No início de 1928, Heidegger tomou a sua decisão. Num encontro combinado com Arendt em Heidelberga em Abril, disse-lhe que a relação não podia continuar. No início do ano, o seu antigo professor e defensor inabalável, Edmund Husserl, informara-o confidencialmente que, após prolongadas deliberações e com o seu apoio entusiástico, Heidegger fora nomeado Professor Ordinarius (professor catedrático), herdando a cátedra de Husserl na Universidade de Fridburgo. Aos trinta e nove anos, tendo já publicado Ser e Tempo, Heidegger estava no auge da sua carreira. Talvez pensasse que a descoberta da relação com Arendt representava um perigo pessoal demasiado grande.
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Mas outra mulher já estava em cena: Elisabeth Blochmann, «liebe Lisi», como lhe chamava, a amiga de escola da mulher, meio judia, catorze anos mais velha que Arendt, com uma carreira académica estabelecida. Em 1927, Heidegger agradeceu-lhe «os dias lindíssimos em Berlim»; em 1928, agradeceu-lhe «por tudo» e citou «volo ut sis» de Agostinho («quero que sejas: ich will, dass du seiest»), como fizera três anos com Arendt. (…)
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[Como se tivessem roubado do bolso-de-peito duas ou três moedinhas que nos ofereceram ].
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«Que estupidez a minha ter-me esquecido de confirmar as tuas cartas. Recebi-as todas e “confirmo” que as recebi com todo o coração», respondeu Blücher, brincando com ela. «Pensei que não tinhas gostado da minha carta», escreveu Arendt, «e que fosse por isso que não escrevias». E foi só quando Blücher escreveu: «Amo-te, querida», que Arendt respondeu cautelosamente: «Querido, acho que te amo». (…)
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Acreditava que Heideggeir a amava, mas também a humilhava, cercava-a implacavelmente, só lhe restando a ela «esperara, esperar, esperar».
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Aos trinta anos, Hannah era um precipitado de inibições e medos, desconfiava dos sentimentos de Blücher. Entrou aos poucos nessa nova relação com grande cautela, suspeitas e incertezas. O elo mais resistente da relação, a amizade, foi crescendo apesar das reservas de Arendt e graças à convicção obstinada de Blücher de que os dois estavam destinados a ficar juntos (…).
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Nas cartas que escrevia, Blücher era caloroso sem ser sentimental, era experiente sem cair no despotismo ou na condescendência, respeitava a inteligência e a autonomia de Arendt, preocupava-se com ela mas não era ciumento nem dominador. «Nunca soube o que é pertencer incondicionalmente a uma outra pessoa», escreveu ela. E dois dias mais tarde: «Sinto-me tão segura no teu amor… E amo-te profundamente, impetuosamente e com muito carinho.» Comparadas com as cartas de de Heidegger, sufocantes, desconfiadas e muitas vezes ponderosas, as cartas de Blücher eram uma lufada de ar fresco.
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Arednt precisou de algum tempo para se acostumar à ideia de que podia conciliar o amor com a sua própria identidade, já que anos a fio teve de abdicar do último termo a favor do primeiro, vivendo sempre desencontrada de si mesma. Blücher mostrou-lhe que esta abdicação era incompatível com o amor e a amizade. «Finalmente», disse ela, «sei o que é a felicidade». Lentamente, aprendeu que o amor, mesmo o mais apaixonado, pode ser destrutivo quando se isola da realidade da vida e se centra apenas na pulsão sexual ou no exercício do poder. E era sem dúvida esta a experiência do amor.
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in Hannah Arendt e Martin Heidegger, de Elzbieta Ettinger.
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domingo, 14 de março de 2010

dos improvisos.












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de Almada___passando por Ângelo de Sousa___a Lichtenstein
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«A segunda carta tem um selo de uma solenidade tal que eu gostaria de estar seguro de que vós a compreendeis.
Never meet or never part! Isto quer dizer, positivamente, que mais valia nunca nos termos conhecido, mas que
depois de nos termos conhecido, não nos devemos separar. Numa carta de despedida, este selo seria muito agradável».
Excerto de uma carta de Charles Baudelaire a Madame Sabatier, datada de 31 de Agosto de 1875.


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my candy cotton club mood:

My mind* Total Devastation* Xinotepe Heat* Black Hole* The Year Of The Apocalypse* Spell, Jimi Tenor-...--¨¨

All-Boy, All-Girl, Arthur Russel
Hot Love Drama, MGMT
To Lose Someone, [Victoria Bergsman] Taken by Trees
No Letting Go, [Victoria Bergsman] Taken by Trees
Always been the same [Young Folks], Kanye West

Spleen, Enrico Rava Quintet c/ Richard Galliano

Black Wave, Bad Vibrations, Arcade Fire




Transit-...--¨¨

The Twins* Fragment, Max Richter
Wolf Cub, Burial & Four Tet * You Were There With Me, Four Tet
Unspoken, Four Tet

-...---...--...----..¨¨

The Simple Story, Leslie Feist e Jane Birkin-..---¨¨
She Moves She, Four Tet

To You, Headless Heroes
Do It Girl, Blackbyrds-..---¨¨

Mind vs. Heart, Nneka

A Change is gonna come, Sam Cooke-...---¨¨

Change Of Heart * From The Valley To The Stars* Candy * Party * Somebody's Baby, El Perro Del Mar-...---
My Foolish Heart* Morning Glory* We Will Meet Again* Days of Wine and Roses* A Time For Love, Bill Evans
Busy Line, Rose Murphy
Up Against The Wall* Secret Garden * Walking In Space, Quincy Jones --...
To the Establishment *Why Must Our Eyes Always Be Turned Backwards *That's The Way I've Always Heard It Should Be, Lou Bond
Night Grooves, The Blackbyrds
Stick to My Side, Pantha Du Prince-..--¨¨
I'll Never Let You Go Little Darlin' *Little Darlin', Elvis Presley

The Lucky One* A Violent Yet Flammable World, Au Revoir Simone
I Pallacci, Vinicio Capossela


The dark age of love, [c/ Yael Naïm] This Immortal Coil

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Nature Boy, David Bowie

All I Think About Is You, Harry Nilsson

Tutu, Miles Davis

You Must Believe in Spring* The Summer Knows ["Summer of '42"], Michel Legrand

Drop Me Off in Harlem", Duke Ellington

Sophisticated Lady, Toots Thielemans "Cotton Club", John Barry

"M.A.S.H. ", Bill Evans Trio

La Cage d'escalier, Tante Hortense e Irene Camargo de Staal

Moi je joue, Brigitte Bardot

Hello Tomorrow, Sam Spiegel & Karen O [Yeah, Yeah, Yeahs]

Everybody Loves The Sunshine* Vibrations, Roy Ayers

Au Printemps, Jacques Brel


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Why'd you cut holes in the face of the moon base? Don't you know about the temperature change in the cold black shadow?
Are you mad at your walls or hoping that an unknown force can repair things for you? Pardon all the time that you've thrown into your pale grey garden?
If your ship will never come you gotta move along...
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terça-feira, 12 de janeiro de 2010

my sweet cotton club mood.









Nothing like you has ever been seen before, nothing like you existed in days of yore
never were lips so kissable, never were eyes so bright, I can’t believe it possible
that you bring me such delight. Nothing can match the rapture of your embrace
nothing can catch, the magic that’s in your face

You’re like a dream come true, something completely new , nothing like you has ever been seen before nothing like you, nothing like you has ever been mine before











I’ve known but none so divine before, no one has your magnificence, who can describe your charms, I’d like to make my residence forever in your arms. I never knew, how wonderful life could be no one but you, could ever do this to me. Call me a fool in love, one thing I’m certain of
nothing like you has ever been seen before . Nothing like you.

[...]






Nothing Like You, Miles Davis & Bob Dorough* Let's Go Everywhere, Medeski, Martin & Wood* Outer Space, Julia Marcell* Carousel, Julia Marcell*Let's Get Out Of This Country, Camera Obscura* It's Boring You Can Live Anywhere You Want, YACHT* Sinnerman, Leon Bibb ['La Joven',1960,Luis Buñuel]* Palhaço, Egberto Gismonti* The Girl From Ipanema, Astrud Gilberto* How Do You Feel, Evie Sands* Mountain Dance, Dave Gruisin* Catavento, Dave Grusin* Voilà, Françoise Hardi* Bonita, David Ferreira Joana Rios* No Love Lost, Joy Division* Puttin on the Ritz, Clark Gable* Fool's Gold, Lhasa de Sela* Side Effects of Growing Up, Julia Marcell* Cottonflower, Moriarty* Romeo, Dawn Landes* Toy Piano, Dawn Landes* Happy Time, Tim Buckley* Piece of My Heart, Janis Joplin* Testimony, The Phenomenal Handclap Band * Baby (Deep Soul 45), The Phenomenal Handclap Band* You Got It, Roy Orbison* Candy Man, Roy Orbison* Tennessee Waltz, Sam Cooke* Naked If I Want To, Cat Power* Crazy bout my baby, Tom Waits*
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Taxi Cab, Vampire Weekend-...--¨¨
Diplomat's Son, Vampire Weekend-...--¨¨
Montego Bay, St. Germain
La Goutte d'or, St. Germain
Se por acaso, JP Simões e Luanda Cozetti
La Toillete des Étoilles, Belle Chase Hotel
O Desamor, B Fachada
Só te falta seres mulher, B Fachada
Sweet dreams baby, Roy Orbison & Friends
Candy Man, Roy Orbison
Sugar Baby, Dock Boggs
Teimoso, Samuel Úria
American Haiku, Jack Kerouac
Salangadou, Robbie Basho
Tryst with Mephistopheles, Owen Pallet



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Buio Omega, Syntaks
Blue Sunshine, Syntaks
Sweet Love For Planet Earth, Fuck Buttons
July Flame, Laura Veirs
Amina, Sweet Billy Pilgrim,
Robbie's Song, Peter Broderick,
High Knoll, Ryan Teague
A Quiet Moment, Broadcast & The Focus Group Investigate

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You Don't Know Like I Know, Keith & Billie Davis
Theme From Cleopatra Jones, Joe Simon
24000 baci, Slavko Stimac
La Plus Belle Pour Aller Danser, Sylvie Vartan
Cantiga de Amigo, B Fachada
Teimoso, Samuel Úria
Selfish Gene, Jimi Tenor & Tony Allen,
Peach Plum Pear, Joanna Newsom
Hymne à l'amour, My Brightest Diamond
Dragonfly,My Brightest Diamond
Transit, Christian Fennesz & David Sylvian
On A Highway, Animal Collective
Anarchy In The UK ( Stand by me) Chances R feat. Dave Longstreth [a d o r á v e l a d o r á v e l a d o r á v e l a d o r á v e l a d o r á v e l ]
Stars, The XX
Shout, The Shangri-Las


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Jungle Madness,Gene Krupa
One Word, Brian Eno + John Cale

Zebra, Beach House
Lover of Mine,Beach House ---.... _---¨¨
Better Times,Beach House
All I Think 0f, Taxi! Taxi!Heads Up, Karen O And The Kids
This Is A Mans World, James Brown---...---....¨¨¨¨...

Idle Dreams, George Gershwin


Fotografia de Olaf Martens da série Cooking Chocolate.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

somewhere over the... greasy freudian couch.




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Green Dress, Spring' 79, de Charles Jourdan.
Por Guy Bourdin.

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quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

e a memória sabe isto.




















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Serigrafia de Noronha da Costa.
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«Ele gostava dela o suficiente para aceitar algumas atitudes maternais da sua parte; talvez até fosse essa a razão (...). Nesse momento ele soube que ela partira para sempre, passando através dos portões de ferro e da cerca de aço. Pareceu-lhe então que a estava a ver, crescendo de heroísmo no momento de desaparecer por trás dos portões ruidosos, desvanecendo-se, sem no entanto diminuir de tamanho, como algo inominável e de esplêndido como o pôr-do-sol. Cerca de um ano mais tarde ele soube que ela não fora a primeira nem seria a última. Que outras além de Alice, se desvaneceram por trás dos portões barulhentos, com um novo vestido ou uma nova farda, e uma pequena trouxa por vezes mais pequena do que uma caixa de sapatos. Julgava que era isso que estava agora a acontecer com ele. Julgava saber agora como é que todos tinham conseguido partir sem deixar qualquer traço atrás de si. Julgava que todos tinham sido transportados para fora, tal como estava a acontecer agora com ele, durante a calada da noite».
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in A Luz em Agosto de William Faulkner

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menina dos olhos.



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"Blue Lady" de Carolyn Carlson,
Música de René Aubry.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

[irremediavelmente] feias, [consideravelmente] porcas e [terrivelmente] más.



Lara Tenreiro e Vânia Frazão orgulham-se de ter pertencido à geração das guerreadas analógicas, de cujo 'modus operandi' se destacam as intifadas de giz branco; projecteis de bic laranja ponta fina sem carga; balística de papel higiénico humedecido 'made in Renova'; kamikaze-moche; munições de Chiclete e demais armas de arremesso com variantes biológicas mucosas. do saudoso cenário bélico que rememoramos destaque especial para o tecto, chão e sub-tampo das secretárias do Liceu - nossos alvos predilectos -, sendo que o atentado mais sofisticado alguma vez perpretado tivesse sido sobre o cabelo irrepreensível à la Maria de Lurdes Modesto , Filipa Vá Com Deus (qual capacete azul...) & da nossa querida senhora professora Irina Jacinta, sempre tão frou frou. se esta juventude do "me Jedi, tu Jedi" nos compreendesse...
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d. pedro i, seu maroto.

Mentira, pura mentira. o grande amor da vida de d. pedro não foi a castro, desenganem-se. ele suspirava de amores, sim, mas por outro: afonso de macedo, seu escudeiro, a quem mandou castrar, eivado de ciúmes, por rumores de suposta traição. mais: não foi afonso iv, senhor seu pai que ordenou decapitar a linda inês como nos fizeram crer os compêndios da história; foi d. pedro, ele mesmo, que determinou tamanha crueldade tendo em vista forjar a virilidade antes que o boato de "larilas" corresse entre os jocosos goliardos e a temerária fidalguia do reino. posto isto parecem-me inevitáveis as seguintes deduções: primeira, inês de castro não devia ser a tal senhora graciosa de "colo de garça", antes uma pirosa com buço, e tufos frondosos nas orelhas, e maxilares proeminentes, e voz pronunciada, e fiel adepta do perfume patchouly, e quiça a bisavó da padeira de aljubarrota... atributos aos quais d. pedro não resistira tendo em conta os três filhos que do respectivo acopolamento resultara. o túmulo de dona innês e dom pedro "um poema de amor lavrado a pedra"? mentira. uma tremenda mentira sim. um palimpsesto ardilosamente esculpido para perpetuar a boa reputação de um rei "justiceiro" entre o povo, povo esse que desde sempre gostou de novelas desta natureza, sofrivelmente românticas, pelas quais também eu me deixo quedar. enfim, a história não é outra coisa senão uma mentira repetida vezes sem conta até se tornar verdade.
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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

círculo de giz.



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"La Pianiste" , 2001, de Michael Haneke.




- Nunca vi um intelectual que não fosse um insensato. A guiar-nos por eles, caía-se depressa num buraco sem fundo, porque nem sequer têm experiência, só têm ideias. Limitam-se a falar de esperança, que é a mais fácil das opções.

- Não se considera um intelectual? - disse Alfreda, no tempo em que ia com ele para Kensingstom Park, vendo saltar os cães em roda dos donos.

- Eu não sei se há um judeu que se considere um intelectual. É a arma dos fracos, uma espécie de terrorismo de apartamento, isso de ler e escrever coisas (...).
Sabe que eu estive em Palermo vai para cinco anos e encontrei-me lá com uma data de intelectuais que nunca tinham escrito um livro e quase não falavam de ideias. Eram amigos de espiões, dum género que não há, que se valiam do nome de intelectuais para frquentar os clubes e os lugares onde passavam as pessoas suspeitas do mundo. Ministros e chefes de gabinete que sofriam por não perceber numa linha dos autores famosos sem os terem lido. Brincavam com soldadinhos de chumbo, quando eram pequenos e eram criados por amas burras como portas. Cresciam com uma raiva contra tudo que fosse elite do espírito, e não me admirava que por trás do ódio irracional que nada à solta pelo mundo estivesse o preconceito contra coisas como arte e pensamento. Para responder concretamente à sua pergunta, digo-lhe que o vosso Cristo foi o judeu mais absoluto que há. Acabou com o messianismo, que foi uma invenção de Salomão, um intelectual, e cacabou-o instituindo-se ele próprio o Messias. Não há melhor maneira de acabar com uma coisa senão dando-lhe legitimidade.

- Não sei se tem razão; melhor do que isso, é agradável ouvi-lo como é agradável ouvor o barulho do mar. Logo que não se queira embarcar.

- Não quero perturbá-la, não sou um intelectual, como já disse. Ensino os meus alunos, mas não os ensino a ser intelectuais. A melhor educação é oral, sem compromisso com a posteridade. Não deixo que tomem apontamentos, basta que me oiçam e que se disso fica alguma coisa já é bom.

- Tenho verificado - disse Alfreda - que não me levam a sério, lá a minha gente. Será que me acham uma intelectual? Riem-se de mim e passam a palavra uns aos outros para criar a minha fama de ser incompreensível e um pouco doida. Verdade seja eu faço tudo para os confundir. Não podem relacionar-me com outra coisa senão como uma boa dona de casa. Organizo casamentos e sou boa nisso. Nunca enganei o meu marido, é o lado mais divertido da minha vida.

excerto d' A alma dos Ricos de Agustina.

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farmakón.






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- a arte salva?

- eu acho que a arte pode salvar o criador (...); durante o processo [de criação] ele [ o artista] estará salvo. é um processo de magia entre o leitor, ouvinte ou espectador. se "a arte salva?"... hum..., quer dizer eu... a arte não salvou os seis milhões de judeus que morreram, nem os quinhentos mil ciganos, nem os duzentos e cinquenta mil deficientes. a arte é solidária, a arte é memória e a arte é fantástica mas não é um substituto para a luta contra o mal.
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[silêncio]
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- ...joão...?

- há bocado quase disse o contrário, a arte também mata. e as duas coisas acho que também são verdade: pode salvar, pode matar...

- mas quando é matar no sentido a que aludia, Mozart tinha a bomba atómica e não a usou.

- no caso do artista, ou mesmo do leitor que tem presente na memória esses textos ou essa música pode ser perfeitamente decisivo; é como ter ou não ter o cantil quando se atravessa o deserto, mas há um limite. o cantil só vai até metade do deserto e depois... acabou. só vai até ali, chega.

- e agora pergunto-vos: esta ideia da arte como redentora, mais do que perversa pode ser letal no sentido em que se cai dentro da literatura ou quando se cai para dentro da literatura, ou quando se cai para dentro da música no sentido figurado como é evidente, ou não figurado,( acabaram-me de me dizer ambos que se pode estar em casa num 'ghetto' só porque se está a ouvir Bach)... isto pode conduzir à paralezia, à letargia... ... hum, não sei.

- sim a arte funciona como droga também e que dependendo da dose pode ser boa, ou má. é um fármaco, a ideia...

- um ópio!!

- um "ópio"...hum...em certa medida, sim, também. em certas circunstâncias. e a própria arte essencialmente sendo força, um alimento de primeira necessidade (...). mas também pode ser letal, como disse, alguns compositores tinham a consciência disso (...) Mahler tinha medo do potencial destruidor da música.
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Fotogramas:" The Pianist", 2002, e "La Pianiste", 2001, de Polanski e Haneke, respectivamente.
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segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

cosimo está para teo assim como esparguete & fantasia para fellini.




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- Não gosto.
-De Cosimo?
-Não, de Mino.
-Ah…podes tratar-me por Cosimo.
-Nem pensar nisso é bom! Ouve, temos de assentar as coisas.
-Que dizes? – perguntou ele, que continuava a deixar-se ficar sempre mal.
-Quero dizer: posso penetrar no teu território e sou sempre uma hóspede sagrada, está bem? Entro e saio quando me apetecer. Tu és sagrado e inviolável enquanto continuares em cima das árvores, no teu território, mas apenas toques o solo do meu jardim, ficas sendo meu escravo e és posto a ferros.
-Não. Nunca descerei para o teu jardim. Nem para o meu. Para mim, são ambos território inimigo, sem distinção. Se quiseres, podes vir para cima das árvores, com os teus amigos que roubam fruta e talvez até com o meu irmão Biagio, se bem que seja um bocado velhaco. Todos juntos organizaremos um exército em cima das árvores e chamaremos à razão a Terra e seus habitantes.
-Não, não, nada disso. Deixa-me explicar-te como é que as coisas devem ser. A ti pertence-te o senhorio das árvores, está bem? Mas, se alguma vez puseres pé em terra, perdes o teu reino e tornas-te o último dos escravos. Percebeste? Mesmo que se quebre um ramo e caias ao chão. Tudo perdido nesse caso.
- Nunca na minha vida caí de uma árvore.
-É certo. Mas, se caíres, tornas-te em cinzas que o vento espalhará.
-Isso são histórias. Se não desço das árvores para a terra é simplesmente porque não me apetece fazê-lo.
-Oh, és tão aborrecido!
- Não, não, brinquemos. Por exemplo, poderei descer até ao baloiço e servir-me dele?

in O Barão Trepador de Italo Calvino.

[fotograma de "Amacord", 1973, de Federico Fellini: embora oriundas de contextos sociais distintos são personagens muito próximas].

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sábado, 2 de janeiro de 2010

no 50ºaniversário da morte daquele que, para tantos de nós, foi claridade.






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Estrangeiro, Sísifo, Homem Revoltado.
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A característica do homem absurdo é não acreditar no sentido profundo das coisas. Ele percorre, armazena e queima os rostos calorosos ou maravilhados. O tempo caminha com ele. O homem absurdo é aquele que não se separa do tempo.

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Mas só há um mundo. A felicidade e o absurdo são dois filhos da mesma terra. São inseparáveis. O erro seria dizer que a felicidade nasce forçosamente da descoberta absurda. Acontece também que o sentimento do absurdo nasça da felicidade. “Acho que tudo está bem”, diz Édipo e essa frase é sagrada. Ressoa no universo altivo e limitado do homem. Ensina que nem tudo está perdido, que nem tudo foi esgotado. Expulsa deste mundo um deus que nele entrara com a insatisfação e o gosto das dores Inúteis. Faz do destino uma questão do homem, que deve ser tratado entre homens. Toda a alegria silenciosa de Sísifo aqui reside. O seu destino pertence-lhe.
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Merci, Monsieur Camus.
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[o meu avô conheceu Camus e eu não conheci o meu avô, absurdo não?].
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jaz.mim_tu... aqui, deixara de o ser.

à espreita de fa|c|to & gravata.

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