...e esgravata.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

hoje: segunda-feira matutina.



"Performance", 1968;

Donald Cammell e Nicolas Roeg.



A manhã de hoje foi estranha.
segui o exemplo da minha mãe - fiz o que ela cumpre, religiosamente, todos os santos domingos, à noite: tomar um banho, demorado, bem demorado, de imersão.
hoje, segunda-feira, o dia do meu fim-de-semana abreviado a um dia. um dia que acaba por ser inteiramente dedicado a mim, por manifesto hedonismo de minha pessoa, por boa-vontade de uns e resultado da manifesta impossibilidade de outros. eram onze horas certas segundo o relógio da salinha-b. o aquecedor já tinha acalentado o quarto-de-banho. parecia um casulo, quentinho, quase irrespirável. entro na banheira quase cheia de água. deito-me. deixo-me adormecer. os dedos engelham-se, a água arrefece. sobre a toalha de turco beje e verde cor de musgo, desenham-se os vincos das grelhas do aquecedor a óleo. "cheira a queimado...", pensei. ainda assim deixei-me estar mais dois ou três minutos. queria prolongar a ansiedade do tão propalado momento que a minha mãe desde sempre descrevia com entusiasmo, no anoitecer de mais um domingo. esta manhã, deixei-me vencer pela teimosia. e fi-lo. o prelúdio do fim de banho aproximava-se. obriguei-me ao ritual da minha mãe, que cumpre religiosamente todos os domingos à noite, como que a melhor despedida final da semana que passou.cumpri os apelos, segui as instruções. a água quase que transbordava da banheira. já não havia espuma. estava então na altura de tirar a tampa e sair. a mia arranhava a porta. eis o momento: tirei a tampa. desliguei a torneira. nem um fio de água corria ou uma gota que pingava. silêncio absoluto. perturbante. nada podia perturbar. entre os pés, no meio dos dedos, dos pés, das pernas esticados na banheira desenhavam-se remoinhos. a água começa a ser sugada. experimentei a sensação que a minha mãe tanto me aliciou a experimentar. cumpri o ritual. deixei a água ser sugada pelo ralo, comigo lá dentro, ainda submersa e acomodada na banheira com o corpo abandonado, semi-desprendido, sem contrariar a força da gravidade. aceitar. aceitar a sensação. sensação de sucção. como que o resignar-se a uma força titânica. uma força titânica que se apodera do corpo, não vinda do alto, não uma força destrutiva, opressiva, que esmaga, não. antes pelo contrário, uma força atalante, que suga, que vem debaixo, que parece retirar, subtrair o peso de um corpo morto. como que um clamor, um convite, uma força que se torna anfitriã fazendo as honras da casa. um lugar profundo, dos confins, recôndito. sou condescende. aceito a chamada, deitada. agora inerte na banheira. deixo-me levar. não corre um fio de água da torneira, um pingo: tudo fechado. imutável. estático. apenas o movimento em espiral, concêntrica. água. ralo. a água. suga. vai sugando, e sugando, e sugando. a água desaparece. vai desaparecendo. deixa revelar a pele. o meu corpo vai ficando a descoberto. pouco a pouco. paulatinamente. em tão pouco tempo, por tão breves instantes duas sensações opostas: uma: a força que me impelia para baixo, como que me despedida, o de um abandono do meu corpo e acedo de bom grado a uma viagem. desço ao centro do meu mundo. e a outra: sensação superior. do alto. a superfície do meu corpo, o arrepanhar da pele de um corpo que se ia secando. e tinha mesmo de sair da banheira, porque a pele eriçada, pele de galinha, poros dilatados, dedos com profusões de pregas e nervuras, não tardaram a denunciar o choque térmico. parecia uma alegoria. a alegoria dos pólos. foi estranho. a mia está a miar e esgravata a porta com as patinhas. está impaciente. tenho de sair.


p.s.: experimentem, em casa, de preferência sozinhos e com tempo, p.f.f.

[texto escrito abruptamente, ou seja, não lido, não visto, desprovido de verificação, pelo que após a devida releitura, decerto que será alvo de rectificações.]



[...]



"Bunny Suits", 2008;
Collins Schude.

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armário.roupeiro: cabides.

jaz.mim_tu... aqui, deixara de o ser.

à espreita de fa|c|to & gravata.

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